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Não, os físicos não criaram “massa negativa”

Graças ao portais (Terra, G1, BBC) que divulgaram essa notícia, as pessoas vão pensar que os físicos são idiotas para não perceber que a expansão do universo é causada pela massa negativa.

Essas manchetes desastrosas pretendem resumir um artigo que recentemente foi publicado pela Physics Review Letters:

Negative mass hydrodynamics in a Spin-Orbit–Coupled Bose-Einstein Condensate
M. A. Khamehchi, Khalid Hossain, M. E. Mossman, Yongping Zhang, Th. Busch, Michael McNeil Forbes, P. Engels
Phys. Rev. Lett. 118, 155301 (2017)
arXiv:1612.04055

 

Este artigo relata os resultados de uma experiência em que os físicos criaram um condensado que se comporta como se tivesse uma massa efetiva negativa.

A pequena palavra “efetiva” não aparece no título do artigo- e nem nas manchetes “gritando” – mas é importante. Os físicos utilizam a palavra “efetivo” para indicar algo que não é fundamental, mas emergente, e a definição exata de tal termo é muitas vezes uma questão de convenção.

O “raio efetivo” de uma galáxia, por exemplo, não é seu raio. A “carga nuclear efetiva” não é a carga do núcleo. E a “massa negativa efetiva” – você adivinhou – não é uma massa negativa.

A massa efetiva é meramente uma quantidade matemática útil para descrever o comportamento do condensado.

O condensado em questão é uma nuvem super-resfriada de cerca de dez mil átomos de Rubídio. Para derivar sua massa efetiva, você observa a relação de dispersão – ou seja, a relação entre energia e momento – dos constituintes do condensado, e toma a segunda derivada da energia em relação ao momento. Essa coisa que você chama de massa efetiva inversa. E sim, pode assumir valores negativos.

Se você plotar a energia contra o momento, você pode ler as regiões de massa negativa a partir da curvatura da curva resultante. É claro para ver na Fig. 1 do artigo, veja abaixo. Onde a curva transita de azul para vermelho é o ponto que a massa efetiva é negativa.

ss+(2017-04-26+at+12.43.51)
Fig. 1 from arXiv:1612.04055 [cond-mat.quant-gas]
Quanto a por que essa coisa é chamada massa efetiva, segundo David Abergel, que trabalha com gases de átomos frios. Sua melhor explicação é que é um “artefato histórico”. E não é profundo: é chamado de massa efetiva porque no limite não-relativístico usual CodeCogsEqn.png então se você tomar duas derivadas de E em relação a p, você obterá a massa inversa. Então, se você fizer o mesmo para qualquer outra relação entre E e p você chama o resultado de uma massa efetiva inversa.

É uma nomenclatura que faz sentido no contexto, mas provavelmente não soa muito digno de estar nas manchetes:

“Físicos observam o fluido não se desfazendo.”

Isso não significa que o resultado seja desinteressante! Na verdade, é muito legal que este fluido auto-limita sua expansão graças às correlações de longo alcance que vêm de efeitos quânticos. Vou até admitir que pensar no comportamento como se o fluido tivesse uma massa efetiva negativa pode ser uma interpretação útil. Mas isso ainda não significa que os físicos realmente criaram massa negativa. =(

E não tem nada a ver com buracos negros, energia escura, buracos de minhoca, e assim por diante.

 


Este artigo é uma tradução/adaptação de: No, physicists have not created “negative mass”.  – de: 

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